Marketing: impactos da “lacração publicitária”

lacração publicitária

Vivemos tempos complexos para os Estrategistas Organizacionais. As mudanças sociais e tecnológicas impulsionaram mudanças drásticas nos ambientes de negócios, principalmente a partir dos anos 2000. Porém, trata-se de um erro estratégico ceder aos impulsos da “lacração publicitária”.

Muitos prejulgam como anacrônicos os pressupostos do posicionamento empresarial fornecidos por Michael Porter, o que pessoalmente discordo. Portanto vou buscar embasar o artigo de hoje em ensinamentos de Philip Kotler, o mais relevante estrategista de marketing moderno.

Em seu livro Marketing 3.0, Kotler define o novo marketing focado no ser humano. Causas, conexões sociais e grupos, onde empresas e clientes convergem em um autêntico desejo de “fazer do mundo um lugar melhor” se tornaram mais importantes que os próprios produtos e serviços fornecidos para a consolidação da identidade da marca.

Isso é uma visão de um mercado maduro, mais fortemente visualizado no comportamento do consumidor europeu, assim como em menor escala no consumidor americano. O papel social da marca se torna um diferencial competitivo bastante relevante nesse modelo estratégico.

Percebamos o caso da Dove, com a campanha da Real Beleza: mulheres com diversos biotipos e estereótipos são apresentadas nas campanhas como pessoas relevantes, como seu público consumidor é relevante.

Em termos de vendas, não é uma estratégia com impacto positivo. Já é amplamente estudado o fato de que as pessoas compram baseadas na forma como gostariam de se ver com um produto. Por isso que se utilizam modelos, manipulando o subconsciente dos consumidores e de seus ideais. Vide a Nespresso e seu garoto propaganda George Clooney.

Porém, o que a Dove faz com extrema elegância é criar um elo emocional com os clientes, uma sensação autêntica de relevância da causa. A Dove é uma empresa estabelecida e com valores claros, com uma comunicação que faz do mundo um lugar melhor.

Isso é uma estratégia de longo prazo, sendo que há mais de uma década a Dove trabalha dessa maneira, com uma causa bem definida, um posicionamento diferenciado e com clientes cada vez mais leais à marca.

Porém, o que se percebe no Brasil é uma sede publicitária por resultados de curto prazo, o que cria impactos significativos nas marcas à longo prazo. A “lacração publicitária” é vista como uma maneira de garantir views e engajamento em campanhas.

Se você não é um jovem estudante, vai se lembrar da campanha “Pepsi, já pensou que pode ser bom?”. Na época acusei o erro estratégico de longo prazo da campanha em escrevi um artigo chamado “Já pensou que pode ser pode ser muito ruim?” e sofri com diversos ataques, inclusive de acadêmicos. Mas o tempo demonstrou que realmente era uma campanha mal pensada e que redefiniu o posicionamento da marca no Brasil.

Posteriormente nós vimos o caso da Boticário se utilizando da “lacração publicitária” em campanhas. Sucintamente, a Boticário é uma empresa de presentes. E, ao contrariar os valores de seu público consumidor, no anseio de ganhar relevância no debate público, a empresa se promoveu em campanhas que criaram acaloradas discussões sociais.

A Boticário voltou atrás, de maneira medíocre, em uma campanha póstuma a banda RPM se dirigia a um show e via uma longa fila de mulheres, teoricamente indo para seu show … mas na verdade estavam na fila de uma loja da Boticário que estava em com promoções de preços.

Não havia nada de autêntico nas ações publicitárias da Boticário.

Os marketeiros da Pepsi afundaram o posicionamento da marca no Brasil.

E agora a Natura está se arriscando nessa seara.

Voltemos ao Marketing 3.0 e à ideia de “fazer do mundo um lugar melhor”. Como a Natura busca historicamente esse conceito? Com cuidados com a natureza, com uma política de reflorestamento, em uma bandeira verde.

Justo.

Porém, agora vemos a Natura, a empresa verde, aderindo à uma comunicação de conflito, tipicamente elaborada com o intuito de criar engajamento de curto prazo, utilizando a figura de Thammy Gretchen como pai em uma campanha.

Vamos esclarecer o ponto nevrálgico dessa análise: não é autêntico esse posicionamento.

Não houve um trabalho de longo prazo, identificando progressivamente a marca com o combate à transfobia. Se escolheu um dia dos pais para fazer uma campanha que reverberasse, com ganhos à curto prazo.

Caso esse seja um reposicionamento da marca, adicionando essa bandeira à seus valores, essa deveria ser uma mudança progressiva e planejada. O que se vê aqui é mais um caso da “lacração publicitária”, onde se adicionam altos índices de engajamento público à campanha. Mais views, mais likes, mais discussões sobre o tema.

Típica estratégia de uma agência para ganhar um prêmio anual e um novo “case de sucesso” ao seu portifólio. Mas em nenhum momento se pensou em médio e longo prazo.

Cenas dos próximos capítulos: tratou-se de um reposicionamento atabalhoado, mas um novo pilar da empresa, ou de uma “lacrada”?

Autenticidade é a chave para a comunicação de qualquer empresa e de qualquer porte.

Digo isso com a experiência de já ter vivido diversos conflitos com publicitários em minha carreira de consultor. Marketing é a consolidação de estratégias de longo prazo e obviamente as agências de propaganda querem dar um resultado de curto prazo para as organizações, demonstrando a efetividade de suas ações e o retorno sobre o investimento de seu trabalho.

Isso gera conflitos entre profissionais de marketing e publicitários, mas um equilíbrio é fundamental. Portanto, se você está avaliando obter resultados de curto prazo via “lacração publicitária”, tenha muito cuidado e reflita antes de ceder aos encantos dos leads gerados em campanhas.

Tecnicamente, é necessário analisar quem são os consumidores da sua marca. Quanto maior o poder aquisitivo, menos agressivas são essas ações “inclusivas”. Porém, no caso da Natura, sua base de revendedores, já que a empresa trabalha nesse modelo de revenda de produtos por terceiros, também é necessário analisar o perfil dessa base de vendas.

Normalmente, revendedores de produtos cosméticos não são pessoas de alta escolaridade e alta renda, são pessoas humildes. E essas pessoas podem ter sido impactadas negativamente pela campanha. A Avon e a Jequiti estão de braços abertos esperando por esses revendedores insatisfeitos com a comunicação da Natura.

Para você ser excelente em vendas, precisa que seus vendedores acreditem nos produtos e compartilhem os valores da empresa.

Para você ter consumidores leais, você precisa ser autêntico.

Deixo abaixo um trecho de 6 minutos de uma aula onde é explico a base do Marketing 3.0 – Responsabilidade Social Corporativa, que em bom português é traduzido em “como as empresas podem fazer do mundo um lugar melhor”.

Bons estudos!

Alex Kunrath, Consultor da Idati Consultoria e Treinamento

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